A carta
Dentre as minhas manias de adolescente, uma delas era escrever cartas. Algumas vezes à mão, outras vezes na velha e pesada Olivetti da minha irmã, aquilo era um dos meus passatempos favoritos. Sempre tive inveja da minha irmã porque a Olivetti era dela e não minha, mesmo que eu usasse com mais frequência do que ela.
Eu escrevia para amigos, para clubes de futebol e, entre outros destinatários, também escrevia para escritores. De amigos sempre tive retorno, de clubes de futebol se alternavam um sim e outro não, e de escritores, nenhum. Até que um dia, para minha surpresa, uma delas chegou. O remetente? Luis Fernando Verissimo. Carta simples, escrita à mão. Tive certeza que foi ele mesmo quem escreveu porque reconheci a sua letra, a mesma de seus cartuns e das tirinhas d’As Cobras, no jornal.
Apenas meia folha... Fez um agradecimento em poucas frases, um pouco que foi muito para mim. Apertei a carta contra o peito com uma alegria imensa, a qual poderia ser comparada a ganhar uma bicicleta no Natal ou ao gol do título aos 49 do segundo tempo. E naquele instante, ainda anestesiado, pensei: quero ser como ele, quero ser um Luis Fernando, quero ser um escritor. Petulância de minha parte querer me igualar a ele, mas a adolescência permitia que eu sonhasse sem freio.
O tempo passou e quis o destino (ah, o destino!) que justamente em um sábado, dia em que as minhas crônicas são publicadas, também fosse o dia do seu falecimento. Coincidência? Talvez. Ou não. Fiquemos no campo da suposição. Certeza, mesmo, é de que a pessoa que sempre esteve na raiz de minha vontade de escrever foi encontrar nosso bom Deus, deixando nosso plano, aqui, mais triste.
Não lembro quem, mas certa vez alguém me disse que eu escrevo com leveza. E se essa leveza existe, devo muito a Luis Fernando Veríssimo e àquela carta recebida no início dos anos 90. Porque foi exatamente isso que ele sempre entregou aos seus leitores: a arte de tornar o cotidiano simples em algo memorável. Minha escrita e meu perfil se moldaram muito graças a ele. Por isso, através dessa crônica, deixo minha homenagem e minha gratidão a alguém que posso chamar de mestre.
A carta infelizmente se perdeu nas trapalhadas da minha adolescência e nunca me perdoei por causa disso. Poderia ter ficado no meio de um livro, emoldurada em uma parede ou dentro de uma gaveta qualquer. Imaginei várias vezes a minha mãe me ligando para dizer que a encontrou grudada no verso de uma foto da corrida do ovo na gincana da escola, mas isso nunca aconteceu. Nesse filme o meu final não foi feliz. Minha culpa, minha tão grande culpa, e de mais ninguém.
Já faz uma semana que minha maior referência literária se mudou para o melhor de todos os lugares. Não há dúvida de que o céu está mais feliz. Tomara que um dia Deus permita que a gente se encontre e eu possa lhe dar um forte abraço e agradecer pessoalmente por aquela carta. Se hoje estou ocupando um espaço aqui, Verissimo tem sua parcela de contribuição. Descanse em paz, mestre!
